Nota da Marcha Mundial das Mulheres – USP a respeito de escracho feito a agressor machista no dia 30 de março de 2011,durante ato contra o aumento da passagem.
No dia 30 de março, durante um dos atos contra o aumento da passagem, um grupo de feministas fez um escracho contra um ativista do Movimento Passe Livre (MPL) de São Paulo, Xavier (Rafael Pacchiega), denunciando-o publicamente por agressão à sua ex-companheira. Após o término de sua relação com a vítima, Xavier chegou a invadir sua casa, ameaçá-la de morte, perseguí-la nos espaços de convívio, insultá-la, etc. Trata-se, para nós, de um caso claro de violência machista. Um caso entre os muitos que ocorrem Brasil afora em que o (ex)marido/(ex)namorado/(ex)companheiro agride a sua (ex) companheira.
Gostaríamos, primeiro, de deixar clara a validade do escracho como forma de denúncia. Tornar o caso público (o que vai muito além de debatê-lo nos fóruns do movimento, mesmo que eles sejam abertos) faz com que o agressor tenha que responder publicamente por seus atos, além de ser fundamental para que a violência machista passe do âmbito privado para o âmbito público e seja tratada como um problema social, de saúde pública (e não como “brigas de fim de relacionamento”), garantindo, também, o fim da impunidade dos agressores. Outro fator importante é que uma denúncia pública pode encorajar outras mulheres a quebrar o silêncio e fazer o mesmo. A denúncia pública é tão importante quanto a denúncia em uma delegacia da mulher ou comum.
Outro ponto que julgamos ser importante ressaltar é que nada justifica a violência. Muitos tentam justificá-la com argumentos de que o agressor estaria desestabilizado pela perda de emprego, por estar sob efeito do álcool, ou por ter algum problema psicológico, e que sem esses fatores, o homem não seria violento. Oras, somente o fato de essa violência não ocorrer com os amigos, o vizinho ou o dono do bar já deveria mostrar que é uma violência impulsionada pela ideologia machista, e não por “fatores externos”. Além do mais, em situações de fragilidade, como perda de emprego, o homem não tem controle da situação, então encontra na mulher um reduto de poder.
Devemos pensar, também, que, graças às feministas que fizeram o escracho, a discussão a respeito do machismo dentro dos movimentos sociais ganhou força. Sem ele, continuaríamos na “normalidade” anterior, muitas vezes deixando passar casos de machismo, não por sermos favoráveis à opressão das mulheres, mas por não sermos capazes de reconhecer uma situação de violência contra elas. Para isso, entendemos que é preciso ir além de discussões acadêmicas, por vezes abstratas demais: é preciso aprender a reconhecer e combater, em nosso cotidiano, na realidade concreta, a violência sexista.
Infelizmente, o que se viu por parte de muitas pessoas foi o método utilizado pelas feministas tornar-se o foco da discussão, e não a agressão machista. Entendemos que, nesses termos, a discussão perde a direção que realmente deveria ter: o machismo em nossa sociedade, dentro e fora dos movimentos sociais. Sabemos, também, que a desqualificação do método serve aos setores mais conservadores da sociedade para desmoralizar e deslegitimar toda uma causa dos movimentos sociais. Bem se vê o que fazem com o MST: julgam suas ações violentas, mas nada falam da violência do latifúndio. Inclusive, muitos que são favoráveis à justa distribuição de terras caem no erro de discutir se o método é bom ou não. Ou, para pegarmos um exemplo mais próximo de nossa realidade: a greve dos funcionários terceirizados da USP. O método usado por eles (espalhar o lixo pelos prédios) foi colocado como centro da polêmica, tido como “agressivo”, utilizado, tanto ingenuamente como por má-fé, para deixar o real problema de lado: a questão do não-pagamento de seus salários.
Nesse sentido, nos colocamos veementemente contra a inversão de valores que foi criada: os oprimidos não podem ser vistos como opressores! E a violência (isso se julgarmos os atos como violentos) utilizada pelos oprimidos não deve ser julgada com o mesmo peso que a violência utilizada pelos opressores, pois a primeira visa a libertação de setores da sociedade historicamente silenciados, enquanto a segunda visa a manutenção de privilégios de uma pequena parcela da população. Privilégios estes que são sustentados justamente com o sacrifício desses setores silenciados: as mulheres, a classe trabalhadora, negras e negros, homossexuais, indígenas etc. Inverter os papéis é uma tentativa de desviar-se do debate real, corroborando com um status quo capitalista, machista, racista e homofóbico, e isso é (ou deveria ser) inaceitável em nossos movimentos sociais!
Sabemos, inclusive, que as autoras do escracho têm sofrido ameaças. Não admitiremos que ninguém seja impedido de denunciar um crime, uma agressão. Não admitiremos que determinados grupos ceifem a liberdade de outrem para a manutenção de seus privilégios.
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!
Marcha Mundial das Mulheres
Núcleo USP