Nós, mulheres do campo Barricadas Abrem Caminhos, por meio dessa nota pública apresentamos incondicional solidariedade à denuncia feita pelas companheiras de São Paulo em ato público, no dia 30.03.11.
Compreendemos o quão tortuoso é fazer essa denúncia de opressão. Como se não bastasse a violência física sofrida pelas mulheres, estas, quando decidem pela denúncia, sofrem a violência psicológica de uma sociedade machista e dos movimentos sociais que sequer sabem lidar com coerência frente à situação.
Em todo momento é fundamental que nenhuma mulher se cale para preservar uma organização ou seu militante. Para isso, é importante que o movimento feminista esteja organizado e tenha autonomia perante a sua organização, para que nada justifique a omissão frente a essas demonstrações de dominação de gênero. Entendemos que nos omitir em relação à pauta é corroborar com a lógica opressora vigente: o machismo.
Tratar questões que historicamente são colocadas em âmbito pessoal, como questões políticas, é entender que a opressão é conseqüência das relações humanas e sociais de uma sociedade capitalista e patriarcal. Se queremos uma transformação social devemos entender que ela perpassa também pela transformação dos indivíduos.
Fazer a dissociação entre a luta política e a luta contra o machismo é, no mínimo, cruel com as mulheres, pois não são lutas dissociadas. É preciso dizer com todas as letras, sempre que possível, que não haverá transformação real se isso não passar pela transformação social das relações entre homens e mulheres.
Menosprezar o que as mulheres falam ou reivindicam como se fossem pautas menores ou histéricas é, no mínimo, cegueira política. Chega a ser cômico comparar um constrangimento de um escracho da “patrulha feminista” com os olhos roxos, discriminações, assédios sexuais, assassinatos, estupros, estupros corretivos de lésbicas, objetificações para o prazer único do outro, esteriotipação na mídia, jornadas duplas de trabalho, espancamentos domésticos, aborto clandestino em condições precária, vividos cotidianamente pelas mulheres.
Acreditamos que a despersonalização da agressão machista é necessária, mas sem desresponsabilizar as atitudes do agressor, uma vez que essas constrangeram e inibiram a participação política das mulheres no movimento. Tivemos que arrancar os nossos direitos políticos à força e, muitas vezes, sem o apoio daqueles que estavam na mesma classe que nós. Dessa forma, urge a necessidade de encorajar as mulheres a fazerem, sim, as denúncias públicas, judiciais e políticas que combatam as opressões.
A opção pelo afastamento do militante da organização e a não publicização do caso de agressão pelo MPL/SP é uma tentativa de se esquivar do debate público, a fim de que deliberações do movimento ou punições políticas não fossem tomadas. Essa ausência de ação faz com que todos se tornem testemunhas silenciosas.
O que vemos na sociedade é que a violência contra mulher é tratada como uma violência qualquer ou como consequência de uma patologia e, não como produto de uma relação histórica de dominação de gênero. Ora, se estas agressões estão completamente dissociadas do machismo, por que os mesmos não possuem as denúncias com relação a seus companheiros homens ou a quem são subordinados?
Ainda, é perceptível a diferente relevância que é tratada a denúncia de machismo quando a mesma envolve companheiros estudantes, brancos e de classe média. Por outro lado, nunca será encarado pela sociedade como problemas psicológicos, o homem negro, pobre e trabalhador que agride a mulher.
Entendemos que a manifestação das mulheres no dia 29.03 se mostra enquanto manifestação política e a radicalização se faz necessária à medida que não reivindicaremos nossos direitos pacificamente. Além disso, com muita coragem as feministas se utilizaram do espaço do movimento para fazer a denúncia. Nada mais legítimo e político, quando as mesmas poderiam ter optado por resolver a questão em âmbito privado. Isso está, portanto, para além da vingança e da desmoralização. A ação direta que fizeram demonstra uma preocupação na disputa de consciência e na ampliação do debate.
Consideramos que a ação foi completamente cabível às mulheres que se sentiram violentadas, não sendo de direito de nenhum homem julgar proporcional ou não a ação de repúdio à violência que não os oprime. Os espaços dos movimentos sociais devem ser espaços de ruptura da opressão e de empoderamento das mulheres. Não se trata de julgar a denúncia das mulheres, mas sim, de abordar a discussão coletivamente.
Essa discussão não é fácil. Ninguém está confortável com a denúncia. O processo se coloca enquanto doloroso tanto para o agressor quanto para as agredidas.
É importante que esse tipo de denúncia encoraje outras mulheres a denunciarem, assim como já está acontecendo, e reivindicarem seus direitos em âmbito coletivo.
Comporemos espaços de debate, que se propõem a discutir o machismo na sociedade. Há tempos, nos demonstramos preocupadas em fazer o recorte de gênero na pauta dos transportes, com auto-organização e autonomia.
Enquanto a esquerda não encarar com seriedade o machismo que acontece no seio de seus movimentos, como poderá disputar um projeto igualitário de sociedade?
Continuaresmos na luta, calando o grito e gritando o silêncio!