Escrevemos este texto devido a uma série de acontecimentos que nos levaram a essa reflexão. Todos os acontecimentos referem-se à atuação de movimentos sociais e a situação de “radicalização” em suas ações.
O ápice, que nos levou a “por a mão na massa”, foi a descoberta de que um conhecido militante da Esquerda, mais especificamente do Movimento Passe Livre – São Paulo, havia sido autor de várias agressões a mulheres. Ameaças de morte, outros tipos de agressões verbais, perseguição, invasão de domicílio, ameaça com faca, etc.
http://feministascontraoaumento.noblogs.org/2011/03/31/ciao-mondo/ Texto do Panfleto que fizeram; http://feministascontraoaumento.noblogs.org/2011/04/01/sp-escracho-contra-agressor-machista-30032011/ vídeo da ação.
Não tardaram para aparecer comentários contra a atitute tomada pelas feministas. Segundo os “críticos”, elas humilharam o rapaz publicamente, por um “erro do passado”, por uma “briga de amor”, agiram como uma “polícia moral”, pondo em risco todo o movimento. Alguns ainda satirizaram a manifestação e a campanha.
O choque pelo surgimento dos que são a favor de que se esqueça tudo dentre os militantes da esquerda deve-se, em um primeiro momento porque: a agressão às mulheres só é chamada de “briga de amor” ou “briga de casal” pelos agressores, ou por quem compactua com eles. O antigo ditado “Em briga de marido e mulher não se mete a colher” mostra muito bem esse pensamento, que só serve para perpetuar o palco da maior parte das violências. A violência conjugal tem de ser tratada como um problema social e de saúde pública:
Segundo: afinal, como devemos reagir frente a um agressor (que não agrediu somente a uma – o que já seria inadimissível -, mas a mais de três mulheres)?
E lembrando sempre que esse não é um problema íntimo, que deve permanecer na esfera do privado. Ele é posto assim mais pela atitude conivente que muitos adotam para com o agressor (com as justificativas de que seriam “problemas do amor”). O quadro nacional mostra as reais proporções da violência contra a mulher:
Aparentemente, ele não chegou a bater em nenhuma delas (caracterizando sua ação criminal como “Violência branda”). Isso, para os que o defendem, é um indício de que não houve agressão. Gostaríamos de perguntar: se ele tivesse desfigurado as mulheres, aí sim seria agressão? E a agressão psicológica, não é agressão? E um homem que ameaça uma mulher com faca, a ameaça de morte, invade a casa dela, se tiver a oportunidade, não pode passar para o pior?
Vale lembrar, também, que muitas vezes os agressores são tidos como monstros, ou sóciopatas, e, depois de tomar conhecimento de uma agressão, muitas pessoas dizem coisas como: “nossa, mas é um moço tão bom…”, ou “não acredito que ele fez uma coisa dessas!” . Relembrando Heleieth Safiotti:
Pois é, os agressores não precisam ser doentes, loucos, ou criminosos demoníacos. São pessoas “normais”, são namorados, maridos, amigos. São homens.
Como esperam os homens dentro da esquerda (nossos companheiros, não?) que as mulheres reajam frente a isso?
Uma outra grande questão que fica é: as feministas estão sendo criticadas por terem levado a público a denúncia, por estarem mostrando a todas e a todos que existe um agressor dentro da esquerda, que aquele que pensávamos ser aliado pode atacar sua namorada, sua ex-namorada, ou suas companheiras de militância. Agora, as feministas são acusadas de sujar o nome do MPL, de “dividirem o movimento” .
Pedem que esperemos pela justiça (que somente para lembrar é completamente machista, sexista e homofóbica), que fiquemos quietas, usando como justificativa o fato de ele já ter se desculpado (como isso bastasse para uma agressão sexista), e fez tratamentos por muitos tempos para se recuperar. Ou seja: querem barrar qualquer ação e mobilização que seja, colocando panos mornos sobre os casos.
Não pensamos que “pedir desculpas” seja o suficiente, não achamos que a justificativa de transtornos – quaisquer que o sejam – amenize o problema. É um caso claro de machismo, sexismo, e entendemos que é impossível deixar passar a situação e manter dentro do movimento um homem que trate uma mulher dessa maneira, transitando entre nós no meio dos Atos, em reuniões, empunhando a bandeira de um movimento social. Tampouco pensamos ser coerente um grupo de esquerda dizer que as feministas são muito “radicais” por exigirem uma manifestação do MPL e a expusão do agressor, justamente por ser incoerente a permanência de um agressor machista dentro de um movimento de esquerda.
Outro ponto polêmico é o de que a critica à radicalização feita contra nosso movimento é a mesma que a esquerda sofre da grande mídia quando atua em atos organizados, tomando as ruas. A PM diz que reprime porque extrapolamos os “limites legais” da mobilização, e que deveriamos recorrer aos mecanismos legais ao invés de parar o trânsito. Com disse o policial no depoimento depois de um dos atos contra o aumento da passagem que acabou em uma ação violenta da PM:
“Passagem é muito cara; verdade, e quando pacífica, toda manifestação é legitima, mas sempre tem uns oportunistas no meio, geralmente de bandeira vermelha.” [5]
Ora, e agora estamos sendo acusadas da mesma forma? De que devemos entender, compreender e esperar a ação legal quando um militante de esquerda agride as mulheres com as quais ele se relaciona?
As feministas, sempre que fazem qualquer tentativa de radicalizar suas ações, são tidas como histéricas, radicais, inconseqüentes, ou como foras da realidade, que não estão entendem como é que as coisas são. Tentam nos convencer de que tudo pode ser resolvido com uma conversa e um pedido de desculpas. Essas mesmas colocações são jogadas em cima de qualquer movimento de esquerda pela grande mídia, pela direita.
Por isso entendemos que a divulgação desse caso, visando a ampliação da mobilização, e a exigência de que o MPL (Movimento Passe Livre) posicione-se sobre o caso são imprescindíveis. Frisando também que as críticas dos homens sobre a ação do Movimento Feminista são infundadas em três pontos: o primeiro deles no que esperam que lutemos pacificamente pelos nossos direitos, pela igualdade e contra a violência a qual estamos expostas. O segundo deles é que nenhum homem tem direito de legislar sobre como o movimento atua, suas bandeiras, pautas, métodos. É um movimento de mulheres, tocado pelas mulheres e mantido pelas mulheres com a solidariedade dos nossos companheiros. O terceiro, o argumento de que nós “dividimos o movimento”, cai por terra quando mostra-se que, na realidade, o fim dos preconceitos machistas implica numa maior participação da mulher na política, fortalecendo os movimentos sociais, e não enfraquecendo-os.
Por todos esses motivos, reivinficamos,por fim, que seja reconhecida a legitimidade da auto organização das mulheres, suas ações políticas, e deixamos claro: nenhuma agressão ficará sem resposta!
[1] BKC – “Naufragas”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=l82PvHPputs
[2] LAMOGLIA, Claudia Valéria A., MINAYO, Maria Cecília S. Violência conjugal, um problema social e de saúde pública, disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos903/violencia-conjugal/violencia-conjugal2.shtml
[3]Portal Violência Contra a Mulher. Disponível em :http://www.violenciamulher.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=579:dados-nacionais-sobre-a-violencia-contra-as-mulheres&catid=7:dados-e-pesquisas&Itemid=4
[4] AZEVEDO, Maria Amélia e GUERRA, Viviane Nogueira de A. (org). Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pequeno Poder, Iglu Editorial Ltda, 1989.
[5] Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=AGW0LLbIiIo